Se alguém lhe dissesse que engolir argila já foi um remédio respeitado para problemas estomacais — desde indigestão até intoxicação alimentar e parasitas — você provavelmente imaginaria uma superstição medieval. Mas a verdade é muito mais intrigante: ao longo da história humana e em diversas culturas, comer argila (uma prática chamada geofagia) foi um ritual comum e, às vezes, essencial.
Agora, a ciência moderna está voltando a esse hábito, já que estudos revelam por que a prática medieval de comer “terra” pode trazer benefícios surpreendentes para o nosso microbioma, metabolismo e até imunidade — embora exija bastante cuidado em relação à segurança e pureza.
Vamos explorar a história, mergulhar na ciência fascinante e descobrir o que comer argila realmente pode fazer pela saúde do nosso intestino.
As Origens Antigas e Globais da Geofagia
Embora comer terra pareça estranho para o mundo ocidental moderno, essa prática tem raízes profundas em todos os continentes:
- Na Mesopotâmia e no Egito Antigo, foram encontrados registros mencionando “terras medicinais” para problemas digestivos.
- Na Grécia, a famosa Terra de Lemnos era prescrita por Hipócrates para intoxicações e distúrbios estomacais.
- Em Roma, Aristóteles escreveu sobre geofagia em humanos e animais.
- Na Europa medieval, pílulas de argila eram comuns nas boticas — usadas contra cólicas, como prevenção da peste e como antídoto para toxinas.
A geofagia continua presente hoje em áreas rurais da África, Ásia, América do Sul e no sul dos Estados Unidos, especialmente entre mulheres grávidas. Os motivos? Aliviar náuseas, reduzir diarreia, ligar toxinas e suplementar minerais que faltam na dieta local.
Argila e o Intestino: o que a Ciência Revela Agora
Bentonita e Caulim: os Agentes Naturais de Ligação de Toxinas
As argilas mais estudadas para consumo são a bentonita e o caulim. Elas são ricas em minerais com carga negativa (como cálcio, magnésio e óxidos de ferro), que funcionam como poderosos adsorventes no trato digestivo.
Como funcionam:
- Absorvem e ligam toxinas: a bentonita, em particular, retém toxinas bacterianas, metais pesados, pesticidas e até aflatoxinas, impedindo sua absorção e permitindo a eliminação segura.
- Neutralizam o ácido estomacal e protegem a mucosa intestinal: as argilas formam uma camada protetora que alivia refluxo ácido, diarreia e indigestão.
- Regulam a flora intestinal: pesquisas sugerem que argilas podem selecionar bactérias patogênicas e seus subprodutos, oferecendo um ambiente mais saudável para os microrganismos intestinais benéficos prosperarem.
Apoio à Digestão e ao Equilíbrio Microbiano
Embora haja mais dados em animais do que em ensaios clínicos com humanos, várias evidências apontam para o potencial digestivo da argila:
- Alívio para diarreia e SII: argilas como a esmectita (montmorilonita) ainda são prescritas para diarreia na Europa e na África e estão disponíveis sem receita em alguns países.
- Efeitos antiparasitários e antibacterianos: em animais e primatas, comer argila ajuda a eliminar parasitas, bactérias e fungos.
- Ligação de gorduras alimentares: um estudo em ratos mostrou que o consumo de argila pode absorver gorduras da dieta e reduzir o ganho de peso de forma semelhante a medicamentos de perda de peso.
Microbioma e Imunidade: a Conexão Intestino-Argila
Pesquisas de ponta estão focadas no microbioma intestinal — a vasta comunidade de bactérias, fungos e outros microrganismos em nossos intestinos.
- Argilas antigas, como a Terra de Lemnos, especialmente quando combinadas com fungos benéficos, podem aumentar a diversidade microbiana e modificar o microbioma de maneira protetora.
- Em pesquisas com animais, comer argila esteve associado a melhor detoxificação, maior resistência a patógenos intestinais e aumento de fungos benéficos.
- Alguns antropólogos sugerem que a geofagia pode ser um “comportamento evoluído de doença” — uma resposta natural a inflamações ou desconfortos gastrointestinais.
Cientistas também já isolaram compostos bioativos em certas argilas que apresentam efeitos antibacterianos e imunomoduladores, aumentando o interesse em seu uso futuro em infecções gastrointestinais e distúrbios metabólicos.
Os Potenciais Benefícios — Validados pela Experiência Antiga e pela Pesquisa Moderna
1. Remoção de Toxinas e Ligação de Metais Pesados
Historicamente, a argila era usada em casos de envenenamento ou surtos de peste. Estudos modernos confirmam sua capacidade de ligar chumbo, arsênio, mercúrio e outros metais, auxiliando na excreção pelas fezes.
2. Acalmar e Proteger a Mucosa Intestinal
As boticas medievais valorizavam a argila no tratamento de úlceras, gastrite e intoxicações alimentares. Hoje se sabe que a argila hidratada forma uma película que protege e auxilia na cicatrização dos tecidos intestinais.
3. Apoio à Diversidade Microbiana e à Imunidade
Ao ligar bactérias nocivas e toxinas, a argila pode permitir que as bactérias benéficas dominem, fortalecendo o sistema imunológico.
4. Controle de Peso
Em modelos animais, a argila reduziu a absorção de gorduras e açúcares. Embora não seja uma “cura milagrosa”, esses efeitos estão sendo estudados no contexto da obesidade e da síndrome metabólica.
Riscos e Segurança: os Detalhes Importantes
O consumo de argila não está livre de riscos:
- Metais pesados e contaminantes: somente argilas de grau alimentício, testadas para toxinas, devem ser usadas.
- Deficiências nutricionais: a argila também pode ligar minerais como ferro, zinco e magnésio, prejudicando sua absorção.
- Obstruções intestinais: o consumo excessivo pode causar constipação grave ou até obstrução intestinal.
Mulheres grávidas, crianças e pessoas com doenças crônicas ou anemia devem evitar a prática sem supervisão médica.
Práticas Seguras se Você Estiver Curioso
- Use apenas argilas de grau alimentício (bentonita ou caulim) de marcas confiáveis.
- Comece com doses muito pequenas (¼–½ colher de chá em água).
- Evite o uso prolongado e diário.
- Mantenha uma dieta rica em minerais e boa hidratação.
- Consulte um profissional de saúde se estiver grávida, doente ou tomando medicamentos que afetam o equilíbrio mineral.
- Nunca use argilas “selvagens” ou de origem desconhecida.
O Futuro da Argila na Medicina?
Há entusiasmo crescente em pesquisas do microbioma e farmacologia sobre como as argilas comestíveis podem ser usadas em “terapias ecológicas” para o intestino.
Cápsulas de argila combinadas com probióticos ou fungos benéficos podem, no futuro, ajudar a reequilibrar microbiomas, desintoxicar o intestino e reduzir inflamações.
Conclusão: Será que Comer “Terra” Medieval é a Nova Tendência da Saúde Intestinal?
A geofagia é um antigo remédio intercultural que a ciência moderna está levando a sério novamente. Em pequenas doses supervisionadas, a argila de grau alimentício pode ajudar na desintoxicação intestinal, no equilíbrio microbiano e no alívio de desconfortos digestivos.
Mas pureza, moderação e supervisão médica são essenciais. A argila errada ou em excesso pode causar mais mal do que bem.